Inteligência Artificial e Processo – Uma breve introdução

O tema da inteligência artificial(1) tem vindo a ganhar cada vez mais destaque na área do Direito processual e muitas são as investigações(2) e os projetos promovidos no sentido de compreender como é que esta poderá ser introduzida no âmbito do processo e, se algum dia, a decisão judicial será suscetível de ser entregue a um computador.

Neste breve artigo tratarei de comentar a utilização da Inteligência Artificial enquanto “entidade” capaz de substituir os decisores humanos – neste caso, o juiz. Assim, a questão principal que se coloca é saber se podem existir programas, aplicações ou outros instrumentos de inteligência artificial que produzam respostas, sentenças e/ou argumentação jurídica automáticas tão ou mais eficientes do que as que são concebidas pelos juízes. Vejamos.

Como evidencia o professor António Manuel Hespanha, “o interesse do direito para a computação e engenharia do conhecimento provém inicialmente do facto de o direito, tal como um programa de computador, ser aparentemente constituído por uma série de proposições, cuja transformação obedece a um conjunto de regras explícitas de manipulação e de transformação(3)”.

Ora, importa destacar o termo “aparentemente”, pois na verdade, o pensamento jurídico é algo muito mais complexo, o que pode criar diversos desafios à implementação de sistemas tecnológicos avançados. Como sabemos, o raciocínio jurídico consiste em observar uma realidade que requer uma solução jurídica e proporcionar essa solução com confiança. Aqui, o aplicador do Direito deverá ser bastante cauteloso e procurar evitar a frustração das expetativas dos sujeitos relativas àquela realidade. Dada esta sofisticação intrínseca do pensamento jurídico, vários são os aspetos que devem ser tidos em conta na hora de aplicar certa solução ao caso concreto.

Em primeiro lugar, cumpre referir que a par da evolução da Sociedade e do próprio Homem, também o Direito traça o seu caminho evolutivo, o que promove alterações significativas ao nível dos conceitos, formas de interpretação, formas de pensamento e argumentação, o que, por seu turno, gera assimetrias interpretativas e distintas posições na hora de atingir soluções jurídicas para os “casos difíceis”. Este aspeto relaciona-se com a historicidade do Direito. Enquanto alicerce na edificação da História, o Homem, naturalmente, estabelece relações com outros Homens. Estas geram conceções e diversas perceções que, por sua vez, vão pautar a forma como o sistema jurídico deve regular estas relações. Ora, as adaptações e alterações significativas no sistema jurídico ocorrem a partir do momento em que são entendidas as ligações intersubjetivas.

Aqui merece destaque o pensamento humano, mais capacitado e flexível para afastar a rotina, observando, comparando realidades, analisando as diversas posições apresentadas e procurando decifrar o contexto para chegar às soluções mais adequadas para aquele contexto. Pode dizer-se que o Direito não é assim tão previsível, sendo que temos de procurar padrões e pode ser que, por uma razão qualquer, esses padrões só sejam discerníveis pela “inteligência empática” de um humano e não pela “inteligência artificial” de um algoritmo.

Em segundo lugar, também a complexidade legislativa e conceptual do conhecimento jurídico se apresenta como um obstáculo à implementação da inteligência artificial como mecanismo de decisão processual. Isto porque o vasto conjunto de fontes e de interconexões textuais fornecidas por cada ordenamento jurídico singularmente considerado, que se cruzam nas mais diversas problemáticas e litígios, dão aso a diversas interpretações e soluções jurídicas, o que criará uma grande teia de incertezas e dificuldades ao juiz-robô na análise e resolução do caso concreto, podendo até bloquear o sistema tecnológico.

Dado o exposto, devemos focar-nos na relevante questão que será apurar se estes mecanismos de inteligência artificial poderão, a qualquer altura, ultrapassar estas barreiras, logrando alcançar a emancipação e autonomia através da sua autoprogramação.

Atualmente são vários os países que já aplicam sistemas tecnológicos avançados no auxílio ao Direito Processual. A título de exemplo, podemos mencionar os Expert Systems in law(4), programas de computador destinados a resolver problemas complexos de forma análoga aos peritos.

Em Portugal, é ainda posta de parte a ideia de substituição de um juiz por um sistema de inteligência artificial na hora da prolação de sentença judicial. Contudo, já estão a ser testados sistemas tecnológicos avançados na área judicial. Do que foi possível apurar(5), o Ministério da Justiça tem dois projetos em curso nos quais está a ser aplicada a lógica do machine learning. Um dos projetos corresponde a uma nova plataforma para os juízes, capaz de fomentar a celeridade processual através do fornecimento de uma ferramenta de pesquisa inteligente(6), sendo que os procuradores, muito em breve, também poderão usufruir de uma aplicação semelhante.

 

Sobre a autora:

Ana Machado is a Litigation and Arbitration Master’s Law Student, currently in the year of thesis. Besides that she is an active member of the NOVA Consumer Lab and works as a Tax Consultant in the Firm Ernst & Young Portugal.

 

(1) A Inteligência Artificial (IA) é definida como uma “entidade” autónoma, capaz de criar regras (no grego antigo: nomos) para si mesma (no grego antigo: auto). Refere-se, comummente, à capacidade de as máquinas serem programadas no sentido de aprender, perceber e decidir que caminhos seguir, de forma racional, perante certas situações – machine learning. Por exemplo, o reconhecimento por voz da Siri é um sistema de machine learning.

(2) O professor António Manuel Hespanha participou numa investigação portuguesa, entre 1990 e 1995, melhor descrita no artigo publicado com o título Os juristas que se cuidem…Dez anos de inteligência artificial e Direito, In: Themis: Revista da Faculdade de Direito da UNL. -Lisboa. – Ano I, nº1 (2000), p. 139-169.

(3) Idem.

(4) E. SUSSKIND, Richard, Expert Systems in Law: A Jurisprudential Inquiry, Clarendon Press; New edition (3 Aug. 1989).

(5) https://www.dn.pt/pais/a-inteligencia-artificial-ao-servico-da-justica-pode-haver-um-juiz-robo–11408704.html

(6) Ferramenta da Watson IBM. A Watson é a plataforma de serviços cognitivos da IBM (International Business Machines Corporation – empresa norte-americana dedicada à informática), tendo sido criada e apresentada em 2011 com o objetivo fundamental de colaborar com empresas das mais diversas áreas na elaboração de sistemas de inteligência artificial que possam melhorar muitas tarefas.