Convenção de Singapura: O essencial

A Mediação

Nos termos do Artigo 2/3 da Convenção de Singapura, mediação é definida como «um processo através do qual, independentemente da base que o sustenta ou da expressão usada, as partes procuram a resolução amigável do litígio com o auxílio de um ou mais terceiros (“o mediador”) desprovidos de poderes para impor uma solução.» (João Pedro Pinto Ferreira, Tradução da Convenção de Singapura).

Efetivamente, a utilização da mediação como meio de resolução alternativa de litígios é cada vez mais frequente, quer no contexto nacional, quer no contexto internacional, sendo que traz inúmeros benefícios, como a manutenção da relação comercial, a simplificação das operações internacionais e a redução de custos da litigância.

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A elaboração e entrada em vigor da Convenção

Após três anos de trabalho da UNCITRAL, com a participação de 85 Estados Membros, a Convenção das Nações Unidas sobre Acordos Comerciais Internacionais de Transação resultantes da Mediação, conhecida como Convenção de Singapura sobre Mediação, foi adotada, por consenso, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em dezembro de 2018 e assinada, em Singapura, a 7 de agosto de 2019.

A Convenção foi já adotada por 53 países, como Estados Unidos da América, Israel, Colômbia, Tailândia, Turquia, México, Kuwait, Sri Lanka e Canadá. Apesar disso, ao dia de hoje, nenhum dos países que integram a União Europeia assinou a Convenção. Discute-se, na Europa, se deve haver uma assinatura uniforme dos 27 Estados Membros ou se se deve permitir a certos Estados não a ratificar.

Fonte: https://www.singaporeconvention.org/

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Âmbito de aplicação

A Convenção consiste numa regulação uniforme e eficiente para os acordos internacionais resultantes de mediação que permite que as partes executem o que acordaram entre si (ALEXANDER, Naja, CHONG, Shou Yu; “The Singapore Convention on Mediation: A Comentary”, p.p 21-22). Observando o Artigo 1/1 da Convenção de Singapura, esta «aplica-se aos acordos resultantes de mediação e celebrados por escrito pelas partes com o intuito de dirimir um litígio comercial (“acordo”), que, ao tempo da sua celebração, sejam internacionais […]». Um litígio é internacional quando pelo menos uma das partes no acordo tenha o seu estabelecimento principal em Estados diferentes (alínea a) ou o Estado em que as partes do acordo tenham o seu estabelecimento principal seja diferente do Estado no qual uma parte substancial das obrigações resultantes do acordo deva ser cumprida ou do Estado com o qual a matéria do acordo tenha a conexão mais estreita (alínea b).

A Convenção não é, porém, aplicável a acordos que sejam executáveis como sentença judicial ou sentença arbitral (Artigo 1/3 – Estas matérias caem no âmbito da Convenção da Haia, no caso de sentença judicial, ou da Convenção de Nova Iorque, no caso de sentença arbitral) ou acordos celebrados para fins pessoais, familiares ou domésticos por uma das partes, bem como aos acordos relativos à família, herança ou direito do trabalho (Artigo 1/2).

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A necessidade da Convenção

A Convenção de Singapura consiste num diploma uniforme e eficaz que visa promover a eficácia na resolução de uma disputa comercial (SCHNABEL, Timothy, “The Singapore Convention on Mediation: A Framework for the Cross-Border Recognition and Enforcement of Mediated Settlements”). Em boa verdade, a Convenção teve como égide a conceção da mediação como um mecanismo fundamental de promoção do comércio internacional como um método opcional de resolução de litígios comerciais.

O secretário-geral-assistente para Assuntos Legais da ONU, Stephen Mathias, exaltou o acordo como uma “convenção histórica” para a eficaz resolução de disputas: “A incerteza em torno da implementação de acordos era o principal obstáculo ao maior uso da mediação” (GOMIDE Tathyana, “Convenção de Cingapura: importante avanço para a mediação”). Com efeito, antes da Convenção de Singapura, os acordos resultantes de mediação internacional, por si só, careciam de exequibilidade, o que gerava incerteza e ineficiência.

Ainda que através de um processo simplificado, há uma preocupação em assegurar que o acordo entre as partes tenha força vinculativa e seja exequível.

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A exequibilidade de um acordo obtido em Mediação

O Artigo 4.º da Convenção de Singapura determina os requisitos para fazer valer o acordo obtido em mediação. (ALEXANDER, Nadja, CHONG, Shou Yu; “The Singapure Convention on Mediation: A Commentary”, p.p 75-76).  As formalidades desta norma têm como objetivo reduzir obstáculos ao reconhecimento e execução do acordo, pelo que os tribunais competentes não podem impor requisitos adicionais à prova de que um acordo resultou de mediação. Deste modo, a parte pode solicitar à autoridade competente de um Estado Membro da Convenção (ou seja, aos tribunais nacionais) que proceda à execução de um acordo de mediação. Assim sendo, deve fornecer ao tribunal ou a autoridade relevante o acordo (Mediated Settlement Agreement) por escrito com as assinaturas das partes (Artigo 4/1, al a) e a prova de que o documento resultou de um processo de mediação, como a assinatura do mediador ou o atestado da instituição administradora (Artigo 4/1, alínea b). Para o efeito, todos os tribunais nacionais onde a execução seja requerida devem atuar de forma célere na apreciação do que lhes foi solicitado, tal como consagrado no Artigo 4/5.

Porém, nos termos do Artigo 5.º, a requerimento da parte contra a qual as medidas tenham sido solicitadas, a autoridade competente da Parte na Convenção pode recusar a sua execução quando se verifique alguma das seguintes situações:

  1. Nos termos da alínea a) que uma das partes do acordo tinha algum tipo de incapacidade.
  2. Nos termos da alínea b) que o acordo seja nulo, ineficaz ou não possa ser cumprido de acordo com a lei aplicável; não seja vinculativo ou definitivo, ou tenha sido modificado posteriormente.
  3. Nos termos da alínea c), que as obrigações constantes do acordo tenham sido cumpridas ou não sejam claras ou compreensíveis.
  4. Nos termos da alínea d) que a adoção das medidas seja contrária às estipulações do acordo.
  5. Nos termos da alínea e) que o mediador incorra num incumprimento grave das regras aplicáveis aos mediadores ou à mediação, sem o qual a parte em causa não teria celebrado o acordo.
  6. Nos termos da alínea f) que o mediador não tenha revelado às partes circunstâncias que poderiam suscitar fundadas dúvidas quanto à sua independência e imparcialidade e a não revelação dessas circunstâncias teve um impacto relevante ou uma influência indevida sobre uma das partes, sem o que esta não teria celebrado o acordo.

Por outro lado, de acordo com o disposto no número 2 ainda do referido Artigo 5.º, a autoridade perante a qual a execução tenha sido solicitada pode ainda rejeitá-la quando conclua que a adoção das medidas é contrária à ordem pública desse Estado ou quando o objeto do litígio não seja mediável de acordo com a sua lei.

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A Convenção de Singapura e a União Europeia

Tem vindo a ser defendido que a Convenção deve ser assinada em bloco pela União Europeia, mas os Estados Membros têm adotado posturas diversas. A importância da União Europeia no contexto de resolução de disputas internacionais, bem como o seu poder comercial são pontos inegáveis. O facto de uma região com uma dimensão tão extensa não estar coberta pela Convenção é uma desvantagem significativa para toda a comunidade europeia e para as empresas nela sediadas.

Acontece que a centralidade da UE no comércio internacional impulsionou o crescimento da mediação. Segundo dados recolhidos pela Queen Mary University of London (2018 International Arbitration Survey: The Evolution of International Arbitration), quatro capitais europeias – Paris, Genebra, Estocolmo e Londres (pré-Brexit) – ocupavam, à data, os lugares cimeiros como sedes preferidas de arbitragem a nível mundial. Nova Iorque, Singapura e Hong Kong constituíram as três restantes cidades.

49% dos entrevistados, onde se incluem mediadores particulares, árbitros a tempo integral, advogados internos, especialistas e outros, indicaram que o seu método de eleição para resolução de disputas transfronteiriças é a arbitragem internacional, em conjugação com mecanismos alternativos de resolução de litígios, como é o caso da mediação.

Por outro lado, num outro estudo, realizado pelo Instituto Internacional de Mediação, 80% dos inquiridos indicaram ter uma maior probabilidade de incluir cláusulas de mediação em contratos se houvesse um mecanismo global em vigor para fazer cumprir acordos resultantes de mediação.

Mais, a maioria das instituições dos países da UE tinha já procedimentos em vigor para a mediação de disputas transfronteiriças antes da assinatura da Convenção. Outra indicação da prevalência da mediação comercial na União Europeia é o facto de quase metade dos 651 profissionais de mediação certificados do International Mediation Institute estar, nela, sedeada.

Por todo o exposto, tanto a própria UE como o resto do Mundo têm muito a ganhar com a adesão da mesma à Convenção, pelo que se espera a maior e mais rápida adesão a este importante instrumento de direito internacional.

Fonte: https://imimediation.org/pt/

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Sobre a autora:

Sofia Estopa is a fourth-year Law student at NOVA School of Law, who was recently admitted in the Litigation and Arbitration Master’s Degree at the same faculty, which, accordingly to her academic background, are the areas where she exceeds the most. Currently, she holds the title of Director at Jur.nal and integrates the Litigation and Commercial Arbitration team for the NOVA Dispute Resolution Forum. Sofia considers that Law is the right path for a prosperous academic and legal career.