Análise à Opinião da Advogada Geral Kokott no Caso Polónia v. PL Holdings Sàrl

A interpretação constante do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (ora em diante, TJUE) Slowakische Republik V.S. Achmea, forçou os Estados-Membros a reconsiderarem os seus Tratados Bilaterais de Investimento (BITs) com outros Estados-Membros.

Na sua Opinião, a Advogada Geral Kokott, produzida no caso Polónia v. PL Holdings Sàrl, veio considerar que as convenções arbitrais podem ser conformes com os Tratados Europeus, desde que reúnam condições que garantam a correta e uniforme aplicação do Direito da União.

Antecedentes da Questão Prejudicial

A ação que serve de base à Opinião Geral em causa tem por base incumprimento pela República Polaca de obrigações decorrentes de um BIT estabelecido com o Luxemburgo e a Bélgica.

No caso, a Comissão de Mercados Financeiros polaca revogou os direitos de voto da sociedade PL Holdings Sàrl num Banco no qual detinha posição dominante, e impôs a alienação das respetivas participações.

Na sequência da condenação pelo Tribunal arbitral, a Polónia pediu, no Tribunal de recurso, a anulação da decisão arbitral, alegando a incompatibilidade da cláusula compromissória com o Direito da União. O Tribunal reconheceu que, à luz do acordão Achmea, a cláusula era inválida, contudo, tal não impedia que as partes no litígio celebrassem um compromisso arbitral. Tendo tal acontecido quando o Estado Polaco aderiu ao procedimento sem alegar, oportunamente, a invalidade do mesmo, ficando precludido de o fazer.

Neste seguimento, o Supremo Tribunal questionou o TFUE, em sede de reenvio prejudicial, se, em virtude da interpretação dos arts. 267º e 344º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) no acordão Achmea, são também inválidas as convenções ad hoc entre um Estado-Membro e um investidor que resultem da preclusão da possibilidade de invocar a invalidade no procedimento arbitral.

Repare-se, que no acórdão Slowakische Republik V. Achmea, o TJUE tinha considerado que uma cláusula compromissória constante de BITs entre Estados-Membros, nos termos do qual um diferendo entre estes e um investidor neles sediado seria resolvido por Tribunal arbitral, era contrário ao art. 4º, nº 3, do Tratado da União Europeia (TUE) e aos arts. 267º e 344º do TFUE, pondo em causa o princípio da cooperação leal e fazendo perigar a aplicação adequada e uniforme do Direito da União Europeia(1).

Comparação com o caso objeto do Acordão Achmea

A Advogada Geral Kokott começou por salientar o carácter distinto da questão em apreço. Com efeito, na referida decisão, estava em causa uma cláusula compromissória. Na questão ora submetida ao Tribunal estamos perante uma convenção arbitral ad hoc concluída no decurso de um litígio concreto.

Neste caso, tal como no processo Achmea, relevam, do TUE o art. 4º, nº 3, que impõe o princípio da cooperação e o art. 19º, nº 1, bem como o art. 267º do TFUE relativo ao mecanismo de reenvio prejudicial. É ainda explorado o art. 344º do TFUE nos termos do qual os Estados-Membros se obrigam a não submeter litígios relativos à aplicação e interpretação dos Tratados a meios de resolução distintos dos previstos nos Tratados, estendendo-se, tal obrigação, a todo o Direito da União Europeia(2).

Estabelecida que está a base legal, importa referir que, tal como na cláusula compromissória do acórdão Achmea, também o compromisso arbitral estabelecido entre a Polónia e a PL Holdings Sàrl é suscetível de violar aqueles preceitos, na medida em que subtraia a aplicação e interpretação de Direito da União Europeia ao sistema judicial da União, tal como previsto no art. 19º, nº 1, do TUE.

A Advogada Geral, contudo, realça que a questão de saber se a aplicação e interpretação do Direito da União Europeia são subtraídas ao sistema judicial da União, dependerá do caso concreto e não da mera submissão da questão à arbitragem.

Com efeito, o TJUE já reconheceu certos tribunais arbitrais(3) como estando em conformidade com os referidos preceitos legais dos Tratados. Para tal tendo imposto os seguintes critérios: a sua origem legal, a sua permanência, o caráter vinculativo da respetiva jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação de regras de direito e a sua independência.

Este, contudo, não é o caso do Tribunal arbitral constituído para dirimir o conflito entre a República Polaca e a PL Holdings Sàrl.

Arbitragem e Ameaça à Autonomia do Direito da União Europeia

Por outro lado, o TJUE tem realçado a ameaça que representa, à autonomia do Direito da União Europeia, a interpretação das suas disposições por órgãos externos ao sistema judicial europeu.

Ora, aponta a Advogada Geral, o Tribunal arbitral em presença, não aplica apenas as normas do Tratado de Investimento (caso em que o risco para a autonomia da ordem jurídica seria, segundo a própria, de desconsiderar), mas também normas de fonte europeia, nomeadamente no que respeita à supervisão bancária.

Daqui, conclui a Advogada Geral, pode surgir um risco considerável de aplicação e interpretação erradas do Direito da União, as quais passariam a ser tidas em conta não só pelas autoridades polacas, como por outras entidades no espaço da União Europeia.

Compatibilidade do compromisso arbitral sub judice, na forma de adesão ao procedimento arbitral, com o Direito da União Europeia

Argumento essencial que distingue este caso da arbitragem comercial, aceite pela jurisprudência do TJUE, é o de que os Estados, ao contrário dos privados, estão vinculados pelo princípio da cooperação sincera – art. 4º, nº 3, do TUE –, pelo que a adesão das autoridades de um Estado-Membro a um procedimento arbitral, fora do sistema judicial europeu, não só violaria aquela disposição, como também colocaria em risco a harmonia e correta aplicação do Direito da União Europeia.

Em adição, a Advogada Geral parece aderir ao argumento da Comissão Europeia de que a disposição legal do ordenamento sueco, que proíbe a submissão a Tribunal arbitral de atos de soberania das autoridades suecas se deveria aplicar, de acordo com o princípio da equivalência, a atos de outros Estados-Membros, desde que relacionados com o Direito da União Europeia.

Neste sentido, a Advogada Geral pronuncia-se pela contrariedade do compromisso arbitral entre o Estado Polaco e a PL Holdings Sàrl, ao Direito da União Europeia.

De destacar, é, ainda, a opinião relativa à questão da forma da convenção arbitral. Afirmou-se a irrelevância da forma, mesmo, como foi o caso, quando esta consista na adesão ao procedimento arbitral, sem contestação tempestiva da validade da cláusula de arbitragem. Uma solução contrária, diz-se mesmo, limitaria o escopo da decisão Achmea, nomeadamente quanto aos procedimentos pendentes.

Não obstante a invalidade, mais importante, talvez, são as considerações relativas à solução para compatibilizar as cláusulas arbitrais, contidas em Tratados celebrados entre Estados-Membros com o Direito da União Europeia.

Assim, poder-se-ia evitar o risco de violação do Direito da União Europeia e salvaguardar a sua autonomia e eficácia, se os Tribunais dos Estados-Membros exercessem um controlo mais aprofundado das decisões arbitrais, garantindo a sua compatibilidade com o Direito da União Europeia, se necessário, recorrendo ao mecanismo de reenvio prejudicial.

De realçar, que tal contrasta com a generalidade dos regimes de revisão de sentenças arbitrais, e mesmo a lei sueca, aqui aplicável, apenas prevê a avaliação da validade do acordo de arbitragem, da admissibilidade da submissão do litígio a tribunal arbitral e, ainda, da incompatibilidade com a ordem pública sueca.

Quanto às questões levantadas junto do TJUE, relativas ao igual tratamento dos investidores perante o Direito da União Europeia, a Opinião considerou a diferença de tratamento na possibilidade de impor o recurso à arbitragem aos Estados contratantes, justificada pela correlação de interesses que subjaz ao Tratado, remetendo, contudo, a avaliação para os Tribunais estaduais na face de cada caso concreto.

Redução do Escopo Temporal da Interpretação do TJUE

Perante o pedido de que a decisão não se aplicasse a procedimentos pendentes ou já concluídos, a Advogada Geral refere, em primeiro lugar, que a interpretação que o TJUE faz de uma norma, nos termos do art. 267º do TFUE, deve considerar-se como aplicável desde a sua entrada em vigor.

Assim, ainda que, excepcionalmente, o Tribunal reduza o escopo temporal das suas interpretações, neste caso, as partes não podiam esperar, em boa fé, que o Direito da União não fosse aplicado. Mais, a interpretação não teve origem na questão prejudicial que se avalia, mas, antes, deriva do acórdão Achmea, cujo escopo temporal não foi limitado. Por fim, tal restrição retiraria ao referido acórdão o seu efeito útil.
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Sobre o autor:

João Palmeiro Carrilho é aluno de licenciatura da Nova School of Law. Durante o verão de 2019 estagiou no departamento de contencioso da Delta Cafés e é, desde março de 2021, estagiário na startup Legaü. Foi recentemente aceite no mestrado em Direito Administrativo da Escola de Direito da Universidade Católica de Lisboa. As suas áreas de interesse são arbitragem administrativa, arbitragem internacional, direito administrativo e direito fiscal.
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(1) Acordão do TJUE de 06.03.2018, Slowakische Republik c. Achmea BV, C‑284/16, p. 60.

(2) Acordão do TJUE de 30.05.2006, Commission c. Ireland, C‑459/03, p. 127 e 128.

(3) Acórdão do TJUE de 12.06.2014, Ascendi Beiras Litoral c. Alta, Auto Estradas das Beiras Litoral e Alta, C‑377/13.